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FORA DAS QUATRO LINHAS

O baixo investimento nas categorias de base do futebol feminino no Brasil

SOBRE

A prática de chutar uma bola de couro foi iniciada ainda no século XVII, entretanto, apenas em 1830 surgiram as primeiras regras escritas para a modalidade, as chamadas The Football Rulles (as regras do futebol), criadas pelo colégio britânico Harrow, que marcaram o verdadeiro início de um esporte que se tornou paixão para milhões no mundo todo. Trazido ao  Brasil pelo jovem inglês Charles Miller, o futebol chega em 1894. Contudo, o esporte era essencialmente praticado por homens, desencadeando a partir dali mais uma problemática social: a desigualdade de gênero.

Enquanto o futebol masculino crescia, o feminino ainda procurava surgir. Apenas em 1921 foi registrada a primeira partida de futebol feminino no Brasil, que ocorreu entre as “senhoritas” do bairro Tremembé e Cantareira, na zona norte de São Paulo. Em busca da evolução, uma barreira. Em abril de 1941, no período da Era Vargas, foi criado o Decreto-Lei 3199 que proibia a “prática de esportes incompatíveis com a natureza feminina”, e o futebol estava incluso. O decreto foi revogado apenas no ano de 1979.

Diante de tamanhos desafios na busca da liberação para a prática legal do futebol feminino, os homens exerceram um “domínio” e tornaram-se os “donos” do futebol no Brasil. Uma problemática iniciada no século XIX, que perdura até os dias de hoje. Baixo investimento, tanto no futebol profissional quanto em categorias de base, escassez de patrocínios, visibilidade reduzida da mídia, carência de apoio, governamental ou mesmo de instituições privadas e preconceito são apenas alguns dos vários empecilhos enfrentados por mulheres que sonham em um dia serem profissionais da bola no Brasil.

Futebol nos Estados Unidos

 O título de “país do futebol” é concedido ao Brasil, porém, somente o futebol masculino tem prestígio em nosso país, enquanto o feminino tem baixa visibilidade e um investimento insignificante. Nos Estados Unidos, o cenário se inverte. Lá, ao contrário daqui, o futebol tem como principal público o feminino. Os EUA possuem a maior categoria de base feminina do mundo. Desde novas, as meninas já detêm a possibilidade de jogar em clubes, muitos deles oferecem categoria de base para garotas a partir dos sete anos. Isso possibilita o desenvolvimento delas desde cedo e que tenham o futebol como uma possibilidade de futuro. Já que na América do Norte o esporte possui forte ligação com a educação, lá, quem joga bola, tem grandes chances de adquirir uma bolsa de estudos em uma universidade.

Além das oportunidades, o país não mede esforços no quesito investimento, isso se reflete na posição que os americanos ocupam no topo dos rankings de competições de futebol. Desde a vitória na primeira edição da copa do mundo feminina, em 1991, os EUA não despencaram nas colocações. Das oito edições, quatro delas foram ganhas pela seleção americana e o pior resultado alcançado foi o terceiro lugar em outras três edições. As americanas não são destaques apenas nas Copas do Mundo, mas também em todas as competições oficiais que concorrem. 

A renovação no futebol feminino dos EUA é constante, lá eles não têm uma figura central, como a Marta, no Brasil. Em todas as gerações das seleções americanas, existiram grandes destaques:

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Mia Hamm
Brandi Chastain
Julie Foudy

1991 e 1999

Na geração de 2004 e 2008, elas já foram passando o título para:

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Abby Wambach

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Tobin Heath

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Carli Lloyd

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Hope Solo

Em 2012 e 2015, surgiram as líderes que conquistaram essa geração, Alex Morgan e Megan Rapinoe. Na copa do ano passado, foram revelando-se outros nomes, como Rose Lavelle e Lindsay Horan, de 24 e 25 anos, respectivamente. Perpetuamente, há novas craques e principalmente, novas líderes despontando, para não só manter o nível do time dentro de campo, mas também para continuar a luta da equipe fora dele.

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CONTATO

Entretanto, não bastou apenas o elevado investimento da confederação americana, a US Soccer, para as mulheres se consolidarem no futebol feminino no mundo todo, as reivindicações coletivas, foram cruciais na fomentação da conquista de tantos títulos. Em 1991, quando ocorreu a primeira Copa do Mundo feminina, as garotas jogaram com os uniformes que sobraram da seleção masculina, logo elas perceberam o quanto as reivindicações seriam importantes para ajudar o time a avançar. Foi essa comunhão que levou as jogadoras a processarem a US Soccer, alegando desigualdade de gênero institucionalizada. Todas as 28 atletas entraram na justiça solicitando não apenas condições de trabalhos iguais para homens e mulheres mas também o pagamento dos mesmo salários. Isso aconteceu, às vésperas do Mundial e nenhuma jogadora foi cortada, pois não era viável uma penalidade a todas elas.

Conforme relatório divulgado em 2019, pela Federação Internacional de Futebol (Fifa), só nos Estados Unidos, encontram-se 9,5 milhões de mulheres jogando futebol de forma organizada. Dessas, cerca de 1,5 milhão são registradas em algum clube e possuem menos de 18 anos. É possível perceber o avanço a partir da década de 1980, nesse período, cerca de 40 mil garotas jogavam futebol em escolas de ensino médio nos EUA, consoante dados da Federação de Escolas. Em 2015, esse número ultrapassou os 375 mil, 20% de todas as meninas que praticam esportes, jogam futebol no ensino médio. Na fase dos 18 até os 22 anos, as garotas decidem se querem tornar-se profissionais ou não. 

Bandeira do Brasil

“País do futebol” para quem?

No Brasil, o fantasma do machismo assombra as mulheres que escolheram o futebol como profissão ou as que almejam um dia tornarem-se profissionais. Na cultura do brasileiro futebol é “coisa de homem”, isso é implementado desde cedo na cabeça das meninas que se interessam pelo esporte. A jogadora das categorias de base do Fortaleza, Naiara Souza, diz que desde nova enfrentou dificuldades e passou por situações machistas dentro do futebol. “Eu jogava futebol com os meninos e sempre que me viam me chamavam de homem, diziam que futebol não é para mulher, até me apelidavam. Pegavam muito no meu pé porque eu era menina e não podia jogar futebol. Às vezes, eu chegava para jogar, mas os garotos não me colocavam no time tudo porque eu era mulher e aquela história que "mulher não pode jogar bola", relata.

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Em entrevista ao portal Ludopedio, a antropóloga Carmem Rial, afirma que após o longo período entre o pós Segunda Guerra Mundial e a revolução cultural e feminista do final dos anos 1960, o futebol esteve proibido para mulheres em muitos países, inclusive no Brasil e essa censura procedeu-se até 1979. Mesmo com a revogação dessa lei que impedia a prática do futebol pelas mulheres no Brasil, elas ainda sofrem com o preconceito enraizado em nossa sociedade com a ideia de que futebol não é para elas. 

Maria Eduarda de Souza, também atleta do Fortaleza, diz que o preconceito sempre vai existir, mas que as mulheres têm que transformá-lo em incentivo para seguir em frente e cita três fatores que negativa o futebol feminino. “Preconceito sempre vai existir. Sempre vai ter uma pessoa que vai querer nos diminuir, em pleno século XXI. Nós crescemos de uma forma e diminuímos em outra. A falta de visibilidade, investimento e estrutura dá um saldo negativo para o futebol feminino. Infelizmente, toda atleta que tiver esse sonho de se tornar profissional vai passar por isso, vai receber críticas, enfrentar preconceitos, mas você precisa ter uma mente firme e ter as coisas negativas como um incentivo para seguir adiante”.

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Maria Eduarda S. - Arquivo Fortaleza

O preconceito favorece o baixo investimento no futebol feminino no Brasil, sobretudo nas categorias de base. Em todo país, as meninas encontram dificuldades para entrarem em escolinhas de base femininas, pois em determinados casos, não há sequer a existência delas. A antropóloga questiona a não existência dos times mistos e rebate o argumento usado de que isso é uma forma de proteção para as mulheres, já que elas não teriam chance jogando com homens. “E porque dividir, porque proibir as mulheres de jogarem em equipes mistas? O argumento é que assim as mulheres são protegidas, que não teriam chance numa equipe com homens. Ora, o que se vê é que as mulheres ingressaram em muitas esferas consideradas masculinas e conseguiram se afirmar. Porque não seria assim também no esporte? Eu não digo que uma mulher vá bater um lutador de UFC, pelo menos não nos próximos 30 anos, mas o que digo é que se não começarmos a misturá-los, desde a escolinha, isto realmente não vai acontecer”, afirma.

A ausência de escolinhas de base feminina, implica na demora para as meninas tenham uma iniciação esportiva desde cedo. Uma pesquisa feita em 2015, pelo Diagnóstico Nacional do Esporte, do Ministério da Cidadania, revelou que enquanto 41% dos meninos começam a praticar esportes entre os seis e dez anos de idade, menos de 30% das meninas possuem a mesma experiência. Sendo assim, elas começam a jogar bola mais tarde e também têm mais dificuldades para encontrar escolinhas de futebol ou clubes para desenvolver a prática. 

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Sônia Ficagna - Arquivo Unifor

Campo de futebol

ACADEMIAS

A educadora física, Sônia Ficagna, afirma que quanto mais cedo a criança inicia no esporte, mais chances ela tem de se desenvolver e também de desenvolver hábitos saudáveis e criando um potencial para no futuro ser uma atleta de performance. Segundo ela, existem exercícios específicos que devem ser realizados em cada faixa etária. Tanto os meninos quanto as meninas merecem a mesma atenção, mas em alguns momentos da vida as meninas precisam de um cuidado um pouco maior. “É importante que as meninas iniciem cedo e que também deem continuidade ao treinamento, principalmente na puberdade, é um momento muito crítico para fase da adolescência das meninas. A garota que inicia cedo no esporte, geralmente não vai parar com facilidade se for guiada por um bom profissional. Já a que inicia um pouco mais tarde deve ter um pouco mais de dificuldade em relação a sua adaptação.”

Mariana Lima, atleta de futebol e profissional de marketing, diz que sua relação com o esporte vem desde a infância e que mesmo diante às adversidades, o futebol sempre foi sua paixão. “Minha história no futebol começa desde pequena. Eu sempre joguei bola com os meninos da rua. Como tinha muitos homens eu acabei me envolvendo mais com as brincadeiras tidas como deles e peguei gosto pelo futebol. Tanto jogava como assistia. Desde nova eu assistia futebol com os meus avós e meus tios. Na escola também, sempre me destaquei nos interclasses”. 

Segundo a atleta, aos 12 anos ela tentou entrar em alguma escolinha de base feminina, mas não obteve êxito, as condições eram precárias e o ambiente era predominantemente masculino. Ela diz que buscou outras alternativas para conseguir treinamento no futebol. “Eu tentei jogar em alguns clubes aqui de Fortaleza, escolinha mesmo, mas era tudo muito precário e não tinha mulher. Acabei tentando jogar em um time masculino mas não consegui me adaptar pois é algo muito diferente e por isso parei com o futebol durante uns 7 anos, até eu conhecer uma academia e começar a me planejar com outras coisas.”

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Mariana Lima - Arquivo Hatttrick Academy

Mariana ainda ressalta o seu desejo de ver o futebol feminino ganhando destaque “Eu torço muito para que aconteça um incentivo maior. Estando no meio do futebol eu vejo mais alguns times abrindo portas para isso e fico feliz por saber que fora do país as chances são maiores, mas aqui no Brasil a realidade é diferente. Minhas expectativas é que isso mude e que as escolas e as academias cresçam e ganhem mais visibilidade”.

Image by Wesley Tingey

CATEGORIAS DE BASE

Enquanto a maioria dos clubes ainda são ausentes de categorias de base, outra alternativa para iniciar uma carreira esportiva aparece nas escolinhas de futebol, em sua maioria organizadas por pessoas independentes que buscam reunir meninos e meninas em seus times como forma de dar os primeiros passos no mundo da bola.

O proprietário da escolinha do Furacão de Fortaleza, José Macedo, diz que a procura pelo futebol feminino é fraca, a cada semestre, no máximo, surgem duas a três meninas. Ele culpabiliza a baixa busca pelas meninas ao fato de a escola ter somente equipes formadas por meninos. Segundo José, a escola já chegou a ter uma equipe feminina, mas não obteve constância. "A procura é realmente bem baixa por parte do público feminino. Nós até já chegamos a ter uma equipe feminina, mas há bastante tempo, uns quatro ou cinco anos atrás. Depois disso, ela se desfez e, infelizmente, não conseguimos remontá-la”. José diz que o incentivo nas categorias de base é de similar tamanho, tanto para o futebol feminino quanto o masculino e volta a bater na tecla de que a culpa por não ter escolas de bases femininas é das meninas, por não haver demanda por parte delas. "O incentivo é o mesmo. Infelizmente, a procura das meninas que é baixa, não tem demanda. A procura pelo masculino sempre foi bem maior”, afirma. 

 

Quando questionado sobre a possibilidade de uma menina procurar inscrever-se na escolinha do Furacão, José diz que a ideia de um time misto seria válida, visto que eles já trabalharam com times mistos. Ele diz ainda que não faz diferença treinar times mistos na fase dos 7 aos 15 anos, pois nesse período, os treinos envolvem mais teoria. “Sim, colocaríamos com os meninos mesmo. Hoje são todos meninos, mas no passado já teve meninas treinando misto com os meninos. A gente pega lá garotos de 7 a 15 anos. Nessa idade, não tem muita diferença treinar meninos junto com meninas, porque os treinos são mais teóricos, o “coletivo” é mais no final do treino, pois o nosso treinamento é diferenciado, não é apenas o “coletivo”. Então, como a maior parte do treinamento é teórico, ou seja, individual, não faz muita diferença, se misturar meninas com meninos”.

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Fotoreprodução - Arquivo Furação de Fortaleza

O professor da WJ, outra escolinha de base localizada em Fortaleza, Wandderson Jeada, fala que houve apenas uma época em que a procura por parte das meninas foi mais acentuada, mas atualmente o número caiu consideravelmente. “Na época do Mundial, a procura foi muito intensa. Nós tínhamos em média 14 meninas. Hoje, a procura é muito menor, inclusive, só estamos com duas meninas nesse período pós pandemia, pois várias não voltaram. Para ter uma noção da baixa na procura, a cada dez ligações que recebo, apenas uma é uma procura vinda de uma menina”. 

A declaração colocada por Wandderson, enfatiza o quanto o futebol feminino ainda necessita de uma superioridade em relação a sua visibilidade, pois é, sobretudo na época de Copas do Mundo Feminina que a procura por parte das meninas aumenta, dado que as mesmas conseguem observar o outro lado do futebol, que também é exercido pelo público feminino.

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Dados - Google Ciência 

O Atlético Cearense é um dos clubes de futebol que não possuem categorias de base feminina, a presidente da agremiação, Maria José Vieira, desabafa a respeito do motivo da não existência da categoria de base feminina. “Eu não acho justo ter um futebol feminino só para tirar foto. Eu não acho que eu vejo muita coisa aí hoje o Campeonato Cearense feminino tem quatro times: em São Gonçalo, Fortaleza, Ceará e outro não lembro certo. Pois bem, eu não concordo, se você for pesquisar como é que essas meninas jogam, elas não tem a metade da dignidade dos atletas que jogam hoje profissionalmente e, elas jogam profissionalmente, então se for para fazer futebol feminino de qualquer jeito, não faço não sabe. Eu não acho justo, acho muito injusto isso e eu não tô criticando os outros clubes isso aí não tá no meu objetivo. Mas eu tô dizendo que eu não faço futebol feminino simplesmente por fazer ou eu faço futebol do jeito que é uma profissão ou eu prefiro não fazer”, declara.

No estado do Ceará, ainda existem times além de Ceará e Fortaleza que possuem o interesse de investir no futebol feminino e consequentemente nas suas categorias de base. Essa situação se reflete no Atlético Cearense, clube que ainda não possui futebol feminino, apenas masculino. 

A presidenta da instituição, Maria José Vieira, avalia a importância das categorias de base no futebol feminino. “Nós temos que entender que existe uma coisa chamada base, que é exigido no futebol masculino e também no futebol feminino. Não é simplesmente montar um time e as meninas começarem a jogar.” Maria ainda cita a Federação da Secretaria de Esporte, como uma das responsáveis para trabalhar a inclusão que o futebol feminino necessita. “Jamais deixariam uma série A do Estadual jogarem na várzea e as meninas jogam. Então, nós temos que ter todas as discussões.”

Segundo a presidenta, a mesma não pensa na possibilidade de criar um time de futebol feminino somente para dizer que tem, pois para ela existem elementos que são necessários e já são possíveis no futebol masculino. “Não adianta ser hipócrita e dizer que eu quero futebol feminino só porque eu sou mulher, quando na verdade eu não tenho condições de estabelecer um local seguro para as atletas, adequado, acessível e acolhedor, que funcione de verdade”, expõe.

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Maria Vieira - Arquivo Pessoal 

Presidente do Atlético - CeMaria José Vieira
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